sábado, 6 de agosto de 2011

Quando não há mérito

"(...)
- Jejuas ainda? - perguntou o inspetor. - Quando vais cessar de uma vez?
- Perdoem-me todos - sussurrou o jejuador, mas somente o compreendeu o inspetor, que tinha o ouvido colado à grade.
- Sem dúvida - disse o inspetor, pondo o indicador na fronte para demonstrar ao pessoal o estado mental do jejuador -, todos te perdoamos.
- Tinha desejado durante toda a minha vida que admirásseis minha resistência à fome - disse o jejuador.
- E a admiramos - retrucou-lhe o inspetor.
- Mas não devíeis admirá-la - disse o jejuador.
- Bem, pois então não a admiraremos - retrucou o inspetor. - Mas por que não devemos admirar-te?
- Porque sou forçado a jejuar, não posso evitá-lo - disse o jejuador.
- Isso já se vê - disse o inspetor -, mas por que não podes evitá-lo?
- Porque - disse o artista da fome levantando um pouco a cabeça e falando na própria orelha do inspetor para que suas palavras não se perdessem, com lábios alargados como se fosse dar um beijo -, porque não pude encontrar comida que me agradasse. Se a tivesse encontrado, podes acreditá-lo, não teria feito nenhuma promessa e me teria fartado como tu e como todos.
Essas foram suas últimas palavras, mas ainda em seus olhos mortiços mostrava-se a firme convicção, embora já não orgulhosa, de que continuaria jejuando.
(...)"


                                                           Um Artista da Fome - Franz Kafka