Embora haja a preservação da individualidade (descritível como sobrevivência e prevalência ideológicas), sempre foi próprio da espécie humana o sincretismo em suas mais diversas matizes e superfícies de contato, desde o microcosmo familiar até as relações entre as nações. Outrora, esta amálgama antropológica dava-se majoritariamente através de guerras, cujo fim natural é o domínio dos mais sobre os menos belicamente capazes. Os fortes, a poucas exceções, impunham também seus hábitos, deuses e leis aos fracos; porém, a cultura dos últimos adentrava pelas fendas da conduta oficial como meio de sobrevivência, uma vez que seus praticantes dela precisavam e nela acreditavam. O sincretismo cultural era, portanto, necessariamente acompanhado do sincretismo étnico ou da presença física das partes envolvidas, como é observável em numerosos momentos históricos e coordenadas geográficas. As glórias, ideologias e deficiências de um povo só alcançavam com efetividade outro se fossem carregadas nos lombos dos marchantes – se pisassem o alheio território.
Porém, no decorrer dos séculos, a civilização desenvolveu-se e teve de percorrer diferentes caminhos para chegar ao mesmo objetivo, naturalmente a subjugação. Especialmente com a fartura de meios de comunicação pós Terceira Revolução Industrial, que disseminam discursos – acentuados pelos traumas dos regimes totalitaristas – de respeito ao espaço e comportamento do próximo, a invasão corporal com violência tornou-se indecorosa e obsoleta (a menos que o outro infrinja obscenamente a ética combinada). Ecoou-se mundialmente honorável o cosmopolitismo e relativizável o nacionalismo. Tantas foram as barreiras que se fez urgente a elaboração de veladas formas de conquista – sem explícita agressão.
Invasões bem sucedidas, porém, só ocorrem em meio à discrepância de forças e, claro, ainda existem nações fortes e fracas na luta pela hegemonia da influência: economicamente. Desnecessário dizer que a dominação dos pobres pelos ricos repete-se. Fundamental dizer que não mais através de explosões, mutilações ou torturas, mas do aproveitamento da dependência financeira e social que os pequenos têm em relação aos grandes. A cultura dos últimos normalmente se sobrepõe à dos primeiros sem significativa resistência por mostrar e esperançosamente trazer melhores resultados que a original. Há mixagem cultural, no entanto, a cultura mais abastada prevalece com liberdade sobre a mais necessitada, pois os pobres, diferentemente de antepassados fracos, estão receptivos à novidade. Não à toa, o american way of life foi altamente impulsionado quando o mundo capitalista tinha em sua composição uma Europa molestada por guerras e uma América sem o mínimo de indústrias dignas.
O falatório do respeito, então, só subsiste entre poderes consideráveis conformes, com semelhantes dimensões de preponderância. Não por casualidade foram países desenvolvidos que o fomentaram – convém-lhes, naturalmente.
À medida que a cultura de outrem não deve representar em si uma ameaça à integridade de determinado grupo, pois são todos iguais e até a disputa deve ser diplomática, mas o contato com o externo não implica – antes, dispensa – a homogeneização (que já é ameaça para a integridade das culturas), cria-se uma relação de vizinhança e tolerância, não miscelânea. Esferas independentes entre si, que se cumprimentam e se louvam a distância; a exemplo da União Europeia, permitem até a livre circulação de pessoas e bens, entretanto, em crise financeira como a atual, é explícito quanto valor cada Estado faz questão de fornecer a suas fronteiras. O discurso do respeito compreende, por conseguinte, a intocabilidade do respeitado, o polido afastamento. Exceto alguns casamentos interpátrios, há, no máximo, uma aproximação intelectual em que diversas culturas são estudadas e mesmo admiradas por um observador, mas improvavelmente absorvidas por ele.
É curioso, mas fatídico, como o sincretismo só pode acontecer de modo forçado em qualquer contexto. Os últimos casos demonstram que o nacionalismo segue sendo mais presente que o cosmopolitismo, ao contrário do que apraz ser dito.
São obtidos dois fins paradoxais para a multiplicidade de culturas: o da desagregada coexistência e o da substancial neutralização (...dos sem recursos pelos magnificentes).
Assiste-se, pois, desde a adoção da mentalidade recente, a mais uma contradição moderna, sem surpresa. Proporcional homogeneização não ocorre nem mesmo em cenários distintos, e esquece-se de que a dominação na disparidade está ancestralmente inveterada nos sistemas humanos, justamente por serem humanos.
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