A luz que reflete daqueles olhos até os teus é caminho único até o negror daquelas pupilas, e teu ânimo corre em frenesi por ele, na ânsia de mergulhar no breu que esconde – como queres que esconda! – a matéria de que essa alma é feita. A face parece-se com todas as outras de que te lembras, juntas, e justamente por amalgamar diversas banalidades é que não podes raciociná-la, desenhá-la, rotulá-la e, por conseguinte, amá-la. Porém, por motivo idêntico – e aí vai o que desperta teus demônios –, és incapaz de arranhá-la, cuspir-lhe, esbofeteá-la, enchê-la de defeitos e, enfim, repreender a pirraça de tua curiosidade, calar-lhe o agudo e insuportável choro por dizer-lhe que não importa, que o que vês é irrelevante e descartável, que podes passar incólume por tamanha desimportância. Mas, não, ao contrário: ainda, para atiçar a fúria da criança, as palavras que profere aquela boca, embora coesas e adaptadas a teu cérebro, espantam-te tanto por sua grandeza que teus sentimentos não as acolhem: confundem-se e embaralham-se para tentar recebê-las, mas apenas as armazenam toscamente enquanto elas avolumam-se, esfolando teu peito com vértices tão pontiagudos. Como sofres! Sofres por não poder beber esse espírito de um gole só, mas temes, estagnado, que o movimento brusco da investigação profunda de tuas perguntas possa destruir de tal ser a natural fluidez. Qualquer gesto teu poderia obliterar o conjunto e tua voz seria nada mais que um acorde dissonante na sinfonia. Calas-te, enfim, como recurso último de tua insignificância, observas, conformas-te, deglutes com aspereza tua ansiedade anímica e deixas – quase desejas – que as palavras cessem e os pés se afastem para distante de ti. És mínimo, frágil e incapaz.
Suspiras o ar pesado e estático que se concentrou em torno de tuas narinas. Estás eufórico, cansado como um Hermes despreparado, porque teus olhos naqueles nada alcançaram além de interrogações. E porque a maior delas ecoa insistentemente em tua consciência: de que era aquele espírito feito?
O silêncio deixa um vácuo para propositalmente confrontar as inexplicações que passaram com pura calmaria. Queres de volta o caos, para devassá-lo.
Mas assentes, vencido.
Em salvação, num átimo vês, talvez apenas no desespero de encontrar um álibi para acalmar-te, mas certamente como quem descobre numa conduta justificada por Deus a satisfação mais plena de saber o que fazer e sentir: não importa.
Se o ser volvesse e pudesses reencontrá-lo repetidamente, com extenso tempo, como um rotineiro irmão, ou partisse indefinidamente, como estrela que cai e desaparece deixando somente rastro e sendo em seguida esquecida, ambos seriam consoladores fins perante os olhos teus, grandes, perturbados, seduzidos pelo imensurável mistério que pode guardar, por vezes, um humano qualquer.
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