segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A Ditadura dos Capazes

Através do exame da mídia e da opinião popular, torna-se evidente que o processo organizacional mais almejado é o que leva em conta sobretudo o merecimento individual para a formação das hierarquias sócio-econômicas. A polida meritocracia, presumidamente, seria capaz de calar a indignação generalizada e satisfazer a ânsia por justiça, fomentando a sensação de que cada cidadão ocupa o espaço que lhe é devido, sem ressalvas quaisquer.

É uma ironia, entretanto, que as mesmas mídia e população reiterem à exaustão o valor objetivo de todos os seres humanos, com talentos únicos, escondidos e, aparentemente, distribuídos pelo acaso igualitariamente, como se a natureza, assumindo contornos de unidade consciente, possuísse atributos morais e não confeccionasse indivíduos no total mais hábeis, e, por conseguinte, mais merecedores que outros, e também pobres de espírito. Tal crença também despreza meios financeiro e de criação, concedidos ao aleatório, uma vez que ninguém pode escolher o microcosmo em que nascerá. É tendenciosa e lucrativa, preenchendo páginas de auto-ajuda em sua forma mais histérica e de cultos jornais, na mais discreta.

A natureza, porém, não firma compromisso algum com a ética humana. Se tem consciência, afinal, delicia-se com sadismo: cria indivíduos medianos em grandes lotes e os distribui fartamente pela superfície terrestre, enquanto, avarenta, acrescenta poucas pitadas de inteligência, beleza e coragem, subtraindo, ainda, tais características de alguns. O mérito não é democrático, como sugere um breve olhar na história.

Supondo, portanto, uma sociedade rigorosamente meritocrática, como idealizado, as desigualdades estampadas não seriam mais consequência de governos incompetentes, interesses individuais ou instituições de base falhas, mas de um acaso implacável, indiferente e impessoal. Estando todos onde mereceriam, não haveria culpados pela bela vizinha bem-empregada, o dinheiro do convincente chefe ou os oito anos de cursinho – os fracassados (segundo um sempre duvidoso conceito) desesperançosamente perderiam mais e possuiriam peremptoriedade na esfera pública, na melhor das hipóteses, apenas ultrapassando duras barreiras, exatamente como no real sistema. Ou, pior: sem poder culpar ninguém em alta voz.

Talvez, então, assombrada pelo próprio patamar de desenvolvimento e às voltas com conceitos distorcidos de merecimento, a sociedade (ou apenas os mais capazes e "amáveis") instituísse cotas ou doasse pílulas para os azarados e desprovidos de riqueza genética e moral, temendo a revolta dos não laureados, compensando os maus modos do acaso, cambaleando na terrível injustiça da meritocracia. 

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